6.3.10

Ensaio do Objetivo do Subjetivo

"O diário íntimo carrega consigo a idéia de algo secreto. No seu livro, Denise Schittine, explica a origem da palavra segredo a partir do autor A. S. Levy. Segredo é uma derivação do verbo secerno, que significa separar, discernir. Ou seja, segredo tem relação com a escolha que se faz entre quem deve e quem não deve saber algo".

A idéia de começar a falar sobre algo e compartilhar uma opinião, impressão ou sensação sobre algum fato qualquer da vida já é um indício de desejo de eternidade. Quando apenas falamos com um amigo sobre alguma coisa, transformamos aquilo em uma informação que não existia antes. Portanto através de uma opinião ou pensamento ou manifestação, eu passo a existir. Me parece que cada vez mais precisamos de provas sobre existirmos e termos pensamentos. Quando resolvi montar um blog, para dividir meus pensamentos com outras pessoas, percebi que uma outra identidade passou a existir. Uma identidade anônima e não tão anônima assim. Um EU na internet. Como se isso fosse possível. Não é. Mas cria uma divertida e lúdica ilusão. Permite contatos rápidos e diretos, sem meias palavras. Mas ainda assim, prefiro sair para tomar um café. Permite que eu esteja escrevendo essas palavras e compartilhe com os visitantes do meu blog, que ainda tem a minha foto aí em cima para dizer que estas palavras são minhas, este pensamento é meu. É a vaidade extrapolada das mídias tecnológicas. Ou então uma vaidade tolerável e inocente, não mais considerada um pecado. Sou vítima do meu tempo. Pertenço a ele. Além de eu ser atriz. Que é ser um sinônimo de comunicação com o externo. Compartilhar esta idéia, talvez, porque queira uma opinião, ou ainda que este diálogo-monólogo me crie um interlocutor fantasma que concorda e pensa junto comigo. Dando-me coragem para a expressão íntima. Ainda assim, tenho meus múltiplos caderninhos cheios de solilóquios que estão escritos de mim para eu. E só. Mentira. Estão escritos para não serem mais meus. Persistindo aí também a idéia de eternidade. Para que a minha bisneta encontre esses caderninhos empoeirados dentro de uma caixa e que se emocione pensando: “Como a bisa era parecida comigo”. Ou então no intuito terapêutico de organizar a mente. E depois de alguns anos reler tudo aquilo e pensar: “Como eu fui feliz!” ou “Como eu mudei” ou simplesmente reviver tudo aquilo como se tivesse apertado o << REW. Mas essa tendência cibernética de colocar tudo em pastas e ficar tranqüilo porque a vida vivida está bem guardada não basta. Precisa-se divulgar. Multiplicar. Ter fãs. Isto é a cultura da celebridade. Olhe só. Tudo se mistura.

“Para o filósofo Jean Baudrillard, o sucesso da vida real no mundo virtual se deve ao fato de que a mídia e a televisão não são mais capazes de prestar contas dos fatos insuportáveis do mundo e, por isso, houve uma descoberta do cotidiano como um atrativo neutralizador. Nas palavras de Baudrillard, a banalidade existencial é hoje o acontecimento mais mortífero, a atualidade mais violenta”.

Eu concordo, mas não sou radical. Acredito que assim como a religião, o nosso tempo serve para salvar ou cegar. Se posso me salvar escrevendo. Escrevo mais do que depressa e com muita fé. E digo “salvar” porque nossa condição humana é angustiante em vários sentidos e viver da arte, agora digo mais pessoalmente, não é nada anti-ansiolítico. Então escrever resolve em mim uma ansiedade e me coloca em ordem comigo mesma de uma forma espetacular e poética. Descubro meu poder de transformação na criação, pois sirvo de canal para que o meio em que vivo se manifeste através de mim. Assim acredito. Mas se o Blog assumir o papel de algo além de mim. Algo que ocupe mais o meu tempo do que sair para ver o Mundo, aí é o caso de começar a me preocupar. Não é nenhuma novidade os sintomas do vídeo-game. O adolescente vira uma ostra. E só lá na frente vai perceber a causa de tanta dificuldade em socializar. A tela luminosa transforma-se em mais que distração. Passa a ser um hábito ruim e que afasta do convívio (físico, não virtual). Mas isso tudo porque estamos numa sociedade muito acomodada em sua privacidade para se importar com o afastamento do convívio social. A privacidade se transforma na coisa mais importante. Todo mundo com sua televisão, seu computador, seu carro, seu orkut, facebook, twitter, myspace, etc. e etc. E não sobra tempo para distrações mais reais. Como se não fossem mais tão importantes, sem contar com a violência crescente das ruas que prende ainda mais as pessoas em casa. Além de passar a ser um hábito o xingamento no trânsito, simplesmente pelo fato de estarmos xingando uma máquina que não pode olhar nos olhos. Ignorando completamente em que circunstância a pessoa no volante está quando não acelerou imediatamente quando o sinal abriu.

Enfim, a violência, os excessos de timidez, a vaidade, a eternidade, o medo da morte, tudo isso sempre existiu entre nós e viver com tudo isso a volta e dentro é a tal condição humana. Resistir ao excesso de acomodação é uma tarefa que exige esforço e atenção redobrada. Resistir ao hábito e perceber aquilo que você está fazendo da sua vida é estar vivo. Apenas por querer entender, mesmo não entendendo, descubro caminhos incríveis. Não estou aqui para entender nada, nem para querer ser eterna através de letras. Quando lemos uma história, somos os personagens e não se lembra do autor da escrita. Acreditar na eternidade é vaidade mas também é ingênuo, pois somos mais do que eternos quando não acreditamos em separação. Deixando que a privacidade seja nada mais do que uma criativa ilusão.
O professor e escritor Charles Kiefer afirma que "o blog é a objetivação de uma nova subjetividade."
Os historiadores Philippe Ariès e Georges Duby pesquisaram a origem do conceito de privacidade e encontraram, em dicionários de língua francesa do século XIX — momento em que a vida privada adquiria todo o vigor — o verbo privar, significando domesticar, domar.

PS: As observações entre aspas foram tiradas deste site: http://www.simonebeauvoir.kit.net/artigos_p05.htm

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